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Essa é a capa do material produzido para o Ensino Médio e Vestibular

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Sociologia no Brasil


            Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes.
Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos no Brasil.
Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções literárias que surgem a partir dessa década (1930) começam a demonstrar um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua formação e estrutura.
Mas note, não estamos afirmando que antes da data acima ninguém havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de 1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, na maioria destes trabalhos, os autores apresentavam a tendência de escrever sobre raça, civilização e cultura, mas não tentavam explicar a formação e a estrutura da sociedade brasileira.
A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.
            Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos muitos movimentos que estimularam uma postura mais crítica sobre o que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos estão o Modernismo, a formação de partidos (sobretudo o partido comunista) e os movimentos armados de 1935.
Movimentos como esses, de alguma forma, traziam transformações de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam o interesse de pensadores em dar explicações a tais fenômenos. Aos poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão sobre a sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:

Fases da sua implantação
Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil como ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três delas, as quais se complementam:
A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil:
A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por aqueles autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para a Sociologia.
Desta geração de autores, queremos destacar Euclides da Cunha (1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro, além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém, o que gostava de fazer, como profissional, era o jornalismo.
Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”. Nessa função foi enviado para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões.
Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber que Cunha faz, usando seus conhecimentos de Ciências e Físicas Naturais, relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também faz a descrição dos homens que ali viviam, ou seja, os sertanejos, nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-los, eram fortes e valentes, ainda que a aparência dos mesmos não demonstrasse isso.

Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o governo da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução que reivindicava a volta do sistema monárquico no Brasil. Na verdade Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores apenas defendiam seus lares, sua sobrevivência.
“É que estava em jogo, em Canudos, a sorte da República...” Diziam-no informes surpreendedores; aquilo não era um arraial de bandidos truculentos apenas. Lá existiam homens de raro valor – entre os quais se nomeavam conhecidos oficiais do exército e da armada, foragidos desde a Revolução de Setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.” (CUNHA, 1979: 250).
Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha estava fazendo revelações quanto à organização da República que estava sendo consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana que não conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo.
Coisa que Antonio Conselheiro, com sua maneira missionária de ser, acreditava e lutava para acontecer, pois...
“...abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e produtos do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na aparência inútil, era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem aos ombros os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência que lhes fora a própria vida; bem-aventurados porque o passo trôpego, remorado pelas muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima, no avançar para a felicidade eterna”. (CUNHA, 1979: 132 ).
Após duas tentativas sem sucesso de “tomar” Canudos – pois os sertanejos tornavam difícil a vida dos soldados, por conhecerem muito bem a caatinga sertaneja – o governo federal republicano deixou de subestimar a força daquelas pessoas que se uniram a Conselheiro.
Convocou para uma terceira expedição batalhões armados de vários estados brasileiros e promoveu uma grande guerra e matança naquela região, em prol da República.
A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma esta obra em um dos referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil.
A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil:
Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas, começa a ser levada em conta.

Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar, como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc.
No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior.
Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira.
Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia, como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em 1987.
Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação “defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento da nação.
Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa justamente valorizando as características do negro, do índio e do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura.
Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltando que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a formação da nossa cultura.
Veja alguns trechos de sua obra a este respeito:
“Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002)
“Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua maior alegria.” (FREYRE, 2002)
“Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam sempre cantando.” (FREYRE, 2002).
No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar” aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não via conflitos nessa estrutura.
Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira.
Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Veja por quê.
Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento da nossa formação.
Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em direito e, de forma autodidata, leu e tomou para si os ideais de Marx, o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo.
Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na década de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fato dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica do feudalismo.
É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista, pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada” do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria, coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma característica do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da mão-de-obra.
No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942, Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasileira estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória.
Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação, pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que estavam em processo de industrialização.
Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo

“...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio. A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24).
As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente, sem a intenção de apresentar propostas para sua transformação.
Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque:
a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos da história veremos que as negras eram forçadas a terem relações sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.
b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação da sociedade.
Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade. Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação.
E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil:
Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começam a aparecer no cenário brasileiro.
Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes instituições universitárias, fundadas a partir de 1930 e inauguram estilos mais ou menos independentes de fazer Sociologia.
Começam a surgir estilos ou tendências, o que fez com que surgissem diferentes “escolas” de Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e em outros lugares.
Dentre os autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar: Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica no Brasil. Foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca investigativa e crítica, ir além das reflexões já existentes.
Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior, os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores. O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente aquelas travadas pelos setores populares.
Outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de “norte” crítico orientador de seu pensamento.
As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil foram, também, uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan. Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas transformações serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois essas transformações se intensificaram muito por causa do aumento da industrialização e da urbanização.
Algumas das conseqüências da urbanização, inclusive gerada pela migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas indústrias das grandes cidades, foram o surgimento de problemas de falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações emergentes, logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica.
Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan inaugura também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e classes existentes na sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo, tiveram o mérito de fornecer explicações que se contrapunham às explicações dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.