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Essa é a capa do material produzido para o Ensino Médio e Vestibular

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Sociologia no Brasil


            Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes.
Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos no Brasil.
Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções literárias que surgem a partir dessa década (1930) começam a demonstrar um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua formação e estrutura.
Mas note, não estamos afirmando que antes da data acima ninguém havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de 1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, na maioria destes trabalhos, os autores apresentavam a tendência de escrever sobre raça, civilização e cultura, mas não tentavam explicar a formação e a estrutura da sociedade brasileira.
A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.
            Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos muitos movimentos que estimularam uma postura mais crítica sobre o que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos estão o Modernismo, a formação de partidos (sobretudo o partido comunista) e os movimentos armados de 1935.
Movimentos como esses, de alguma forma, traziam transformações de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam o interesse de pensadores em dar explicações a tais fenômenos. Aos poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão sobre a sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:

Fases da sua implantação
Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil como ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três delas, as quais se complementam:
A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil:
A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por aqueles autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para a Sociologia.
Desta geração de autores, queremos destacar Euclides da Cunha (1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro, além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém, o que gostava de fazer, como profissional, era o jornalismo.
Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”. Nessa função foi enviado para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões.
Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber que Cunha faz, usando seus conhecimentos de Ciências e Físicas Naturais, relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também faz a descrição dos homens que ali viviam, ou seja, os sertanejos, nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-los, eram fortes e valentes, ainda que a aparência dos mesmos não demonstrasse isso.

Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o governo da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução que reivindicava a volta do sistema monárquico no Brasil. Na verdade Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores apenas defendiam seus lares, sua sobrevivência.
“É que estava em jogo, em Canudos, a sorte da República...” Diziam-no informes surpreendedores; aquilo não era um arraial de bandidos truculentos apenas. Lá existiam homens de raro valor – entre os quais se nomeavam conhecidos oficiais do exército e da armada, foragidos desde a Revolução de Setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.” (CUNHA, 1979: 250).
Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha estava fazendo revelações quanto à organização da República que estava sendo consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana que não conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo.
Coisa que Antonio Conselheiro, com sua maneira missionária de ser, acreditava e lutava para acontecer, pois...
“...abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e produtos do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na aparência inútil, era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem aos ombros os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência que lhes fora a própria vida; bem-aventurados porque o passo trôpego, remorado pelas muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima, no avançar para a felicidade eterna”. (CUNHA, 1979: 132 ).
Após duas tentativas sem sucesso de “tomar” Canudos – pois os sertanejos tornavam difícil a vida dos soldados, por conhecerem muito bem a caatinga sertaneja – o governo federal republicano deixou de subestimar a força daquelas pessoas que se uniram a Conselheiro.
Convocou para uma terceira expedição batalhões armados de vários estados brasileiros e promoveu uma grande guerra e matança naquela região, em prol da República.
A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma esta obra em um dos referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil.
A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil:
Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas, começa a ser levada em conta.

Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar, como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc.
No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior.
Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira.
Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia, como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em 1987.
Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação “defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento da nação.
Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa justamente valorizando as características do negro, do índio e do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura.
Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltando que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a formação da nossa cultura.
Veja alguns trechos de sua obra a este respeito:
“Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002)
“Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua maior alegria.” (FREYRE, 2002)
“Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam sempre cantando.” (FREYRE, 2002).
No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar” aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não via conflitos nessa estrutura.
Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira.
Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Veja por quê.
Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento da nossa formação.
Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em direito e, de forma autodidata, leu e tomou para si os ideais de Marx, o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo.
Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na década de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fato dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica do feudalismo.
É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista, pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada” do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria, coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma característica do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da mão-de-obra.
No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942, Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasileira estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória.
Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação, pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que estavam em processo de industrialização.
Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo

“...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio. A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24).
As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente, sem a intenção de apresentar propostas para sua transformação.
Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque:
a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos da história veremos que as negras eram forçadas a terem relações sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.
b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação da sociedade.
Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade. Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação.
E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil:
Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começam a aparecer no cenário brasileiro.
Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes instituições universitárias, fundadas a partir de 1930 e inauguram estilos mais ou menos independentes de fazer Sociologia.
Começam a surgir estilos ou tendências, o que fez com que surgissem diferentes “escolas” de Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e em outros lugares.
Dentre os autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar: Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica no Brasil. Foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca investigativa e crítica, ir além das reflexões já existentes.
Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior, os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores. O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente aquelas travadas pelos setores populares.
Outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de “norte” crítico orientador de seu pensamento.
As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil foram, também, uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan. Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas transformações serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois essas transformações se intensificaram muito por causa do aumento da industrialização e da urbanização.
Algumas das conseqüências da urbanização, inclusive gerada pela migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas indústrias das grandes cidades, foram o surgimento de problemas de falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações emergentes, logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica.
Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan inaugura também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e classes existentes na sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo, tiveram o mérito de fornecer explicações que se contrapunham às explicações dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Estado - Instituição política

Quando um indivíduo tem seu imposto de renda retido na fonte, ou quando compra um determinado bem (alimento, bebida, calçado), ele está sendo tributado, isto é, está pagando imposto ao Estado. No primeiro caso o imposto é direto, porque ele incide diretamente sobre o salário da pessoa. No segundo caso ele é indireto, porque quem o recolhe é o comerciante, pelo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ou o industrial, através do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Assim, os tributos representam uma apropriação de recursos de particulares pelo Estado. Esses recursos devem financiar os gastos do Estado com seus funcionários, com as obras que deve realizar entre outros gastos.
Mas em que o Estado se baseia para retirar recursos de pessoas e empresa? A ação tributadora se fundamenta numa qualidade que integra a própria essência do Estado: o seu poder de coerção. Esse poder é a possibilidade que tem o Estado de recorrer à violência física para cumprir os seus fins.
Em qualquer sociedade, apenas o Estado tem o direito de recorrer à violência, à coação, para obrigar alguém a fazer alguma coisa. Em suma, o Estado é a instituição social que tem a exclusividade, o monopólio da violência legítima; e assim é porque a lei lhe confere o direito de recorrer à violência, caso seja necessário. Esse direito é executado pelas instituições policiais e militares.
O poder e a autoridade centralizam-se de maneira mais clara no Estado. Desse modo, o Estado é uma das agências mais importantes de controle social; o Estado executa suas funções por meio da lei, apoiado em última instância no uso da força.
Mas Weber entende por poder as oportunidades que uma pessoas ou um grupo de pessoas tem de realizar sua vontade numa ação comum, mesmo contra a resistência de outras pessoas que participam da ação. Ter poder, portanto, é conseguir impor sua vontade sobre a vontade de outros indivíduos.
As pessoas que exercem o poder no Estado compõem o governo. Em virtude do seu legítimo (mas jamais completo) monopólio da força, o governo, evidentemente, detém o poder supremo da sociedade. Ele reserva para si o direito de impor e de obrigar. Qualquer outro uso ou ameaça do uso de força (por bandidos criminosos, soldados amotinados, grupos rebeldes, etc) é ilegítimo e será suprimido, se possível pelo Estado. Se ele não conseguir eliminar a violência, perderá sua característica principal, deixará de existir. Isso acontece quando um Estado não consegue acabar com uma revolução ou uma insurreição.
4.1 – Elementos do Estado
Território – é a base física do Estado, sobre a qual ele exerce sua jurisdição;
População – composta de habitantes do território que forma a base física e geográfica do Estado;
O governo – grupo de pessoas colocadas à frente dos órgãos administrativos e que exercem o poder público em nome da sociedade.
4.2 – Estado, Nação e Governo
A nação é um conjunto de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de idioma, religião, tradições, costumes e valores;
O Estado é a nação com um conjunto de instituições políticas, entre as quais um governo. Pode-se dizer que “o governo muda, mas o Estado continua”.
4.3 – O três poderes do Estado e as formas de governo
Os Estados modernos possuem três poderes:
Executivo – encarregado de executar as leis;
Legislativo – encarregado de elaborar as leis;
Judiciário – encarregado de distribuir a justiça e interpretar a Constituição.
O Estado pode ter as seguintes formas de governo:
Monarquia – o governo é exercido por uma só pessoa (o rei ou a rainha), que herda o poder e o mantém até a morte;
República – o poder é exercido por representantes do povo eleitos periodicamente pela população.
Ditadura – uma só pessoa, o ditador, impõe a sua vontade e dispõe de poder ilimitado.
Atualmente, em certos países da Europa, como Grã-Bretanha, Espanha, Suécia e Noruega, impera ainda monarquias em que os reis têm apenas um papel simbólico e protocolar, cabendo ao Parlamento, cujos representantes são democraticamente eleitos, o exercício efetivo do poder. São as chamadas monarquias constitucionais.
Por sua vez, nas repúblicas modernas há dois tipos de regime: o parlamentarista, onde os eleitores elegem seus representantes no Parlamento e cabe unicamente a estes a escolha dos membros do poder Executivo (Portugal e Itália), e o presidencialista, onde a escolha do presidente é feita diretamente pelos eleitores. Esse modelo de democracia funciona em países como Brasil, Estados Unidos e Argentina.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Festa do Estudante

Nesse sábado (20/08) vai rolar a festa do estudante na E.E. Maria Carmelita do Carmo.
Além de torneios de futebol de salão, queimada, teremos, ainda, dois ambientes (boites), para o pessoal aproveitar esse momento e dançarem bastante.
Esperamos a participação de todos os alunos e professores...
Vai rolar muito flash back.
Tudo a partir das 16 horas.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Texto complementar sobre Estratificação Social

Sendo referente de um velho e novo tema, estratificação social constituiria, segundo alguns, um conceito abrangente que incluiria quer a teoria de classes marxistas, quer outras teorias não marxistas, nomeadamente a estrutural-funcionalista. Uma tal concepção ampla assume que os sistemas de estratificação têm sido uma constante em todas as sociedades, desde as caçadoras e as recoletoras, passando pelas sociedades de castas, despóticas e estamentais, até às modernas – industriais. Importa, porém, revelar que, enquanto, na maioria das sociedades não modernas, a estratificação era percebida como algo inerente à ordem “natural” das coisas, na época moderna, nomeadamente após a Revolução Francesa e outras contemporâneas, tal pressuposto “naturalista” sofreu um sério abalo teórico, nomeadamente a partir do pensamento rousseauniano.
A designação de estratificação social, metaforicamente aplicada às Ciências Sociais, remete-nos para uma realidade estudada pela Geologia, que diz respeito à disposição de diversas camadas da Terra ordenadas em posições diferenciadas e verticais. É nesta ótica que, em termos sociológicos, diversos autores (Sorokin, Davis, Moore e Parsons) definiriam estratificação social como a diferenciação de determinada população em estratos hierarquicamente sobrepostos, desde os inferiores aos superiores. Mas, desde o início, o uso do termo estratificação, nomeadamente por parte dos teóricos estrutural-funcionalistas, pressupõe critérios mais normativos que materiais de descrição e classificação dos grupos sociais nas sociedades designadamente contemporâneas, os quais se opõem diametralmente aos sustentados pela teoria marxista em torno das classes. Este dilema obriga-nos a equacionar duas grandes tradições sociológicas, em contraste, não só quanto ao número de classes, como sobretudo quanto à própria definição de estrato/classe: uma de inspiração estrutural-funcionalista, mas fortemente acentuada desde os anos 50, e uma outra, a marxista, que, não obstante variantes internas, é sustentada desde os fundadores do marxismo, no século XIX, até ao presente.
Quanto a tradição (estrutural-)funcionalista, as sociedade e os respectivos estratos ou grupos são definidos e caracterizados em função do rendimento, do nível de instrução, do prestígio ou mesmo da própria percepção dos atores sociais, sem se preocupar em estabelecer as caudas ou então remetendo o fenômeno da estratificação para os seguintes fatores “explicativos”, eventualmente interligados:
I – para a maior ou menor importância das diversas funções, preenchidas de acordo com o treino, a competência e o talento dos indivíduos nas respectivas tarefas da divisão do trabalho;
II – para fatores hierárquicos de ordem normativa e valorativa, sendo os atores sociais hierarquizados, sancionados, recompensados ou remunerados de acordo com o grau de identificação com as normas e os valores comuns, os grupos de referência e as variáveis-padrão existentes em cada sociedade, nomeadamente o critério meritocrático na sociedade moderna;
III – para as leis da oferta e da procura inerentes à economia de mercado, as quais, na versão (neo)liberal, permitem estabelecer a distribuição do rendimento, do prestígio, da influência e, em última instância, do poder. No campo marxista, embora hoje haja autores (neo)marxistas que evitam um conceito economicista de classe social, sustentam, acerca desta, um conceito pluridimensional e até estabelecem criativamente algumas pontes teóricas com o weberianismo. Para a concepção marxista tradicional, a classe era basicamente analisada a partir do lugar ocupado pelos atores sociais no sistema econômico, ou, mais precisamente, no/ou em face do processo de produção.
Já Weber, porém, sendo sem dúvidas o autor que forneceu uma visão tridimensional da estratificação (econômica, social e política), pode ser considerado o sociólogo mais abrangente na necessária síntese a operar entre critérios subjacentes a teoria da estratificação e à teoria das classes sociais. Através do conceito de estamento/estatuto (stand), Weber releva o grau de estima, honra e prestígio como critério social de aferição do sentimento de pertença a determinado grupo e seus correlativos modos ou estilos de vida, eventualmente exercidos em círculo fechado (por ascendência, profissão, educação, etnia ou religião) e expressos em diversas formas; através do conceito estrito de classe designa o critério econômico da distribuição de poder de disposição entre bens, serviços, qualificações e outros recursos, nomeadamente as capacidades aquisitivas nos diversos tipos de mercados; e, através do conceito de partido, dá conta da distribuição do poder político (elites, camadas dirigentes).
Neste quadro, poder-se-á objetar que o conceito estrutural-funcionalista de estrato é insuficiente, na medida em que não fundamenta por que é que determinadas funções são mais importantes que outras, como e porque é que há uma desigual distribuição de talentos, além de outros serem desperdiçados por falta de recursos. Por outro lado, além de o sistema de valores não ser partilhado por todos os atores sociais no seio de determinada sociedade, as diferenças de salários e recompensas nem são explicáveis por fatores normativos, nem sempre dependem da oferta e da procura, mas reconduzem-se a razões institucionais ou situações de privilégios em base econômica, política ou religiosa (por herança, situação de classe, casta, hierarquia religiosa ou política).

terça-feira, 12 de maio de 2009

Marx e pensamento sociológico

A obra do alemão Karl Heinrich Marx (1818-1883) marcou como um corte de navalha o pensamento ocidental do século XIX. Seu objeto de pesquisa fundamental, para não dizer o único, foi a sociedade capitalista de seu tempo. Ele olhou à sua volta e percebeu que, para além dos sinais aparentes de miséria e sofrimento das classes trabalhadoras – esses qualquer um que caminhasse pelas ruas das grandes cidades industriais podia ver – havia um processo histórico em curso que, enquanto levava a burguesia à condição de classe dominante, expropriava dos trabalhadores manuais seus instrumentos de produção e seus saberes, transmitidos com zelo de geração para geração através dos séculos, ao tempo da velha ordem feudal. Perceber este ponto talvez seja o grande diferencial da sociologia de Marx.
Mas devo adverti-lo desde logo, caro leitor, que o pensamento de Karl Marx não se adequa facilmente ao rótulo de "sociologia". Pois a sociologia é uma disciplina científica e empírica, de caráter analítico. E Marx combinou em seu pensamento duas perspectivas diferentes, dois modos diversos de encarar a realidade. Por um lado seu pensamento é analítico, isto é, pretende ver a realidade como ela é, dissecando-a e reconstruindo-a conceitualmente para entendê-la. Nesse sentido, ele foi um praticante das ciências sociais (a sociologia, a história e a economia política). Por outro lado, seu pensamento é normativo, isto é, pretende vislumbrar como a realidade deveria ser, construindo uma utopia em nome da qual seria necessário agir para transformar esta realidade, valorativamente caracterizada por ele como iníqua. Nesse sentido, ele fazia filosofia. Aliás, Marx não era apenas um pensador. Era também um militante político, que pretendia colocar suas idéias em prática através de um partido político. Mas não se conformava em propor o socialismo como uma opção entre tantas outras. Seu socialismo era "científico", e sua ciência lhe dizia que o socialismo estava fadado a triunfar.
Para ele não havia contradição entre teoria e prática, nem entre o modo como as coisas são e o modo como devem ser. Pelo contrário, se a sociedade verdadeiramente humana "deve ser" um dia uma sociedade sem exploração e opressão, é porque esta possibilidade está dada já agora, no modo mesmo como a sociedade presente "é". A contradição para Marx não é uma falha do raciocínio lógico, é o modo pelo qual a realidade se expressa, e o futuro desejado está contido no presente odioso.
Tá confuso? Calma, eu explico.
Para chegar ao entendimento da sociedade capitalista, Marx julgou necessário descobrir como a história humana funciona, desde os primórdios da civilização até seus dias. Nada menos que isso. E acreditou de fato haver descoberto este mecanismo. Como disse o amigo e parceiro intelectual Friedrich Engels (1820-1895), num discurso proferido no enterro de Marx, assim como Darwin havia descoberto as leis da evolução das espécies, Marx havia descoberto as leis da história. Nesse sentido, a pretensão de Marx se assemelha muito à de Durkheim: o fundamental para as ciências sociais é que sejam capazes de enunciar leis que tenham tanta validade geral quanto as leis da física ou da biologia.
Bem, mas que "descoberta" era essa? O enunciado da lei da história, segundo Marx, seria algo como o seguinte: "o que move a história é a luta entre as classes sociais". Compreendendo esta chave, o investigador (e, principalmente, o transformador) social compreenderia a natureza da sociedade capitalista e a direção na qual ela estaria se transformando, graças a suas contradições internas. Como a luta entre as classes chegou então a constituir-se em motor da mudança histórica?
As leis da história.
Marx e Engels escreveram que a história humana é a história da relação dos homens com a natureza e dos homens entre si. Nesses dois tipos de relação aparece como intermediário um elemento essencial: o trabalho humano.
É através do trabalho que o homem muda a natureza, colocando-a a seu serviço. Ele planta, colhe, caça, pesca, enfim vive através de seu trabalho. Na medida em que o ser humano se reproduz, através das relações sexuais entre homem e mulher, esse processo se expande pelo aumento natural da população. Ao mesmo tempo, para melhor desencumbir-se de sua tarefa de produção da vida material o homem desenvolveu instrumentos de trabalho, que cada vez mais foram funcionando como extensões e como aumento das capacidades do corpo humano. Em vez de cortar ou quebrar com as próprias mãos, inventou a machadinha de pedra, depois de metal cortante etc. Domesticou animais para fazer o trabalho mais pesado, desenvolveu técnicas de cultivo (como irrigação ou escolha de terrenos) para potencializar os resultados de seus esforços. Com seu gênio, com a capacidade de raciocinar que falta aos outros animais, o homem foi cada vez mais sendo capaz de aumentar e melhorar os resultados obtidos pelo trabalho que realizava com o suor de seu rosto. Nesse processo, trabalho manual e reflexão intelectual jamais se separaram, embora – como apontarei mais abaixo – o predomínio de certos grupos de homens sobre outros ao longo da história tenha gerado uma distorção no modo como os homens tomam consciência da relação entre o mundo material e o mundo das idéias. O ser humano, assim, desenvolveu ao longo da história, cada vez mais, aquilo a que Marx e Engels deram o nome de "forças produtivas". O desenvolvimento das forças produtivas foi o responsável pelo incremento da produtividade e pelo aumento do domínio do homem sobre a natureza, bem como pelo conforto e pela riqueza material decorrentes, que as sociedades acumularam ao longo da história. E, note bem, forças produtivas não são apenas machadinhas e arados, mas também as tecnologias desenvolvidas pela capacidade reflexiva do homem.
Mas não apenas isso. Ao mesmo tempo em que o trabalho é o intermediário da relação do homem com a natureza ele é, também, o intermediário da relação dos homens uns com os outros. Porque o trabalho que são obrigados a desenvolver para sobreviver dita o modo pelo qual as sociedades humanas se estruturam. Para aumentar a produtividade social, para desenvolver as forças produtivas, o homem foi também organizando a produção junto com seus semelhantes, distribuindo tarefas e benefícios entre os membros da sociedade. Foi este o ponto de partida do processo de divisão do trabalho. Primeiro, a divisão sexual, entre o trabalho de homens e mulheres. Depois, a divisão entre a agricultura e a criação de animais. E, assim por diante, foi se dando a divisão entre o campo e a cidade, entre a produção agrícola e a industrial, entre esta e o comércio etc. Nesse sentido, como esta organização da produção advém da capacidade humana de racionalizar tarefas no sentido do aumento da produtividade social, a divisão do trabalho é também parte do conjunto das forças produtivas. Ambas, divisão do trabalho e forças produtivas, ao mesmo tempo determinam-se e são determinadas uma pela outra.
Mas a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas: fulano faz isso, beltrano aquilo. Não. Ela é também a expressão da existência de diferentes formas de propriedade no seio de uma dada sociedade num dado tempo histórico. As relações de propriedade, por sua vez, dizem respeito aos tipos de relações sociais predominantes numa sociedade a partir dos tipos de propriedade vigentes. Do ponto de vista de Marx, elas implicam numa separação básica: entre os instrumentos ou meios utilizados para o trabalho, de um lado, e o próprio trabalho, de outro. Isso significa que no processo de divisão do trabalho nem sempre os homens que possuem os meios para realizar o trabalho trabalham e nem sempre os que trabalham possuem esses meios. As relações de propriedade, portanto, são a base das desigualdades sociais, na medida em que a divisão do trabalho possibilitou a existência de homens que trabalham para os outros, porque o fazem com os meios de outros; e de homens que não trabalham por que têm meios e podem fazer com que outros trabalhem para si. A esses modos específicos de organização do trabalho e da propriedade Marx e Engels deram o nome de "relações sociais de produção".
Cada época histórica possui um conjunto de forças produtivas desenvolvidas, sob o controle dos homens que nesta época vivem e, ao mesmo tempo, um conjunto instituído de relações sociais de produção, que são o modo pelo qual os homens assumem o controle sobre as forças produtivas, isto é, as relações de propriedade. A este conjunto total, Marx e Engels chamaram "modo de produção".
Assim, as grandes transformações pela quais passou a história da humanidade foram as transformações de um modo de produção a outro. Simplificadamente, podemos dizer que nossos autores descrevem três diferentes modos de produção ao longo da história: o modo de produção escravista antigo (Grécia e Roma antigas, onde o trabalho era realizado por escravos), o modo de produção feudal (vigente no mundo medieval) e o modo de produção capitalista. A cada um desses modos de produção correspondem diferentes estágios de desenvolvimento das forças produtivas materiais e diferentes formas de organização da propriedade (ou relações sociais de produção). No primeiro, a relação social básica é a escravidão, que opõe escravos e senhores de escravos; no segundo a relação social básica é a de servidão, que opõe servos de gleba e senhores feudais e no terceiro a relação social fundamental é a de assalariamento, que opõe capitalistas e operários, isto é, burgueses e proletários. Dessas diferentes relações de propriedade, ou melhor, da posição dos homens com relação às formas de propriedade vigentes num dado modo de produção é que surgem as classes sociais.
A transformação de uma forma a outra, de um modo de produção a outro, se dá pelos conflitos abertos por causa da luta entre a classe dominada e a classe dominante em cada época. Marx diz que as relações sociais de produção, isto é, as formas de propriedade, quando se estabelecem, funcionam como uma forma de desenvolvimento das forças produtivas, mas chega um momento em que as forças produtivas não mais conseguem se desenvolver sob a vigência daquelas relações de propriedade. Abre-se então um período de convulsão social, no qual as relações de propriedade vigentes são contestadas. A classe oprimida, política e/ou economicamente dominada, se insurge contra o predomínio da classe dominante. É por isso que nossos autores afirmam que o que move a história é a luta entre as classes.
As formas de consciência.
Nessa explicação genérica da teoria da história de Marx eu só lhe expus, até aqui, o aspecto relacionado com as formas de produção material e de organização da estrutura social dela decorrente. Mas como o trabalho e a reflexão do homem, como já sublinhei, são faces da mesma moeda ao longo da história, a teoria de Marx se propõe também a explicar de que modo o mundo das idéias, do conhecimento, das crenças e das opiniões se relaciona com este mundo material, da produção, do trabalho. Marx e Engels se vêem então diante da seguinte pergunta: como explicar a consciência que os homens têm ou deixam de ter a respeito de seu próprio modo de vida, da produção material de sua sociedade e das relações de classe, sejam elas econômicas ou políticas?
A consciência está ligada às condições materiais de vida, ao intercâmbio econômico entre os homens, como já vimos. Mas a consciência que os homens têm dessas relações, afirmam nossos autores, não condiz com as relações materiais reais que de fato vivem. As idéias, as concepções sobre como funciona o mundo, são representações que os homens fazem a respeito de suas vidas, do modo como as relações aparecem na sua experiência cotidiana. Essas representações são, portanto, aparência. Para Marx essas representações implicam, num primeiro momento, numa falsa consciência, numa consciência invertida, pois se prendem à aparência e não são capazes de captar a essência das relações às quais os homens estão de fato submetidas.
Se estiver muito complicado, não desanime agora. Vou lhe dar um exemplo prático e claro dessa falsa consciência que acabei de mencionar no parágrafo acima. Quando se estabelece na história uma determinada forma de divisão do trabalho, quando ela se torna dominante e generalizada dentro de uma sociedade, ela estabelece o lugar de cada um dentro do processo produtivo. Assim, as relações de propriedade vigentes, o poder político de certos grupos sobre outros e as formas de exploração do trabalho que uma determinada classe social consegue implantar numa determinada época histórica estabelece e determina, o que cada indivíduo está obrigado a fazer, o modo como está obrigado a trabalhar e viver. No capitalismo, diz Marx, existem os proprietários dos meios de produção (as fábricas, as máquinas e a própria força de trabalho do trabalhador). Estes são obviamente os burgueses. E existem aqueles a quem não resta outra alternativa de vida a não ser vender o único bem de que dispõem: sua força de trabalho, em troca do pagamento de um salário. No entanto, na cabeça dos homens que vivem sob este sistema, isso é percebido, no plano das idéias, como algo normal, natural. Ao trabalhador lhe parece natural que certas pessoas tenham que trabalhar em troca de um salário para viver, como se isso sempre houvesse existido e, mais ainda, como se tivesse que continuar existindo para sempre. Este indivíduo não vê a sociedade capitalista como uma sociedade historicamente construída pela luta entre uma classe com intenção de ser a classe dominante (a burguesia) e outras classes, que acabaram sendo submetidas a esta classe dominante, transformando-se em proletariado. Não. À medida que o tempo passa e a sociedade capitalista se estabiliza, ela é percebida pelas pessoas, na vida cotidiana, como a única sociedade possível. Assim como em outros tempos, a sociedade feudal, por exemplo, foi percebida pelos homens como a única sociedade possível (durante séculos, num intervalo de tempo aliás bem maior que a duração do capitalismo).
Repare aqui uma diferença fundamental entre Durkheim e Marx. Durkheim nos mostra o peso da sociedade sobre os indivíduos, aponta que a consciência individual é dada pela preponderância de uma consciência coletiva, que os indivíduos não pensam com sua própria cabeça. Marx, por sua vez, mostra que isso não é assim simplesmente porque qualquer sociedade de homens deve necessariamente ser exterior e coercitiva sobre os indivíduos. Ele mostra que o caráter coercitivo, dominador, não se manifesta igualmente por parte "da sociedade em geral" sobre todos os homens indistintamente, mas sim de uma parte da sociedade sobre outra, ou melhor, de uma classe social que assume o papel de dominante sobre as outras, que se tornam dominadas. E que esta situação não está ali desde que o mundo é mundo, mas que ela foi criada pela luta histórica entre as classes sociais. Marx afirma que, se as relações de dominação existem em toda e qualquer sociedade é porque elas são socialmente construídas. E, portanto, não precisam existir para sempre, pois o homem pode construir outros tipos de relações, sem a dominação de uma classe sobre outra. Mas percebe no entanto que os homens, no seu universo cotidiano, dentro do qual estão submetidos a este processo de dominação, não têm uma consciência real da dominação de que são objeto.
Pensemos no processo de passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, para que não reste dúvidas sobre isso. A forma de produção de mercadorias no mundo feudal era o artesanato. Como resultado de uma enorme gama de transformações ocorridas entre os séculos XVI e XIX, o artesanato se transformou em grande indústria. Como isso se deu, do ponto de vista das relações de propriedade? No artesanato, o Mestre de Ofício – por exemplo um sapateiro – realizava todas as etapas da produção de seu produto. O Mestre Sapateiro curtia o couro dos animais, cortava, tingia, construía as fôrmas de madeira para a fabricação dos sapatos, costurava-os, pregava os solados, fazia o acabamento e, ainda, os vendia em seu estabelecimento. É claro que este era um processo lento e um número reduzido de pares de sapatos era produzido. Mas o Mestre Sapateiro tinha o controle de cada detalhe. Ele, como pessoa, sabia fazer sapatos e era este saber (somado aos meios materiais necessários para a fabricação de sapatos) que determinava o lugar que este homem ocupava no mundo e suas relações com seus contemporâneos. E de onde veio este saber? Ele aprendeu de um outro Mestre, muitas vezes seu pai, junto ao qual exercitou o ofício desde criança, na condição de aprendiz. Do mesmo modo ele ensinaria, depois de Mestre formado, o ofício a seus aprendizes, muitas vezes seus filhos.
Com o desenvolvimento do comércio, no entanto, uma nascente classe de comerciantes começou a ter pressa. Quanto mais sapatos vendidos, mais lucro. Os comerciantes passaram então a contratar fabricantes de sapatos e reuni-los em galpões onde pudessem fiscalizar a produção e cobrar a agilidade necessária. Ao fazerem isso, começaram a entender o processo de fabricação do sapato e perceberam que seria possível agilizar a produção se as tarefas fossem divididas entre os trabalhadores. Cada um faria apenas uma etapa, pois seria bem mais ágil apenas cortar o couro, ou apenas costurar, repetidas vezes, em vez de todos realizarem todas as etapas e passarem de uma tarefa a outra. E seria bem mais simples, também, que os novos trabalhadores que iam sendo contratados tivessem que aprender uma tarefa só, em vez de aprender o processo todo. Juntou-se a esta mudança um outro dado fundamental. Com o desenvolvimento tecnológico daqueles séculos, o XVIII e o XIX principalmente, foram criadas máquinas novas para aumentar a produção. A princípio essas máquinas dependiam do uso que o trabalhador fazia delas, mas com seu aperfeiçoamento, as máquinas começaram a ditar o ritmo da produção, sendo o trabalhador obrigado a operar no ritmo da máquina e não a máquina a operar no ritmo do trabalhador.
Agora pense o que aconteceu, não só com os sapateiros do exemplo, mas com todos os ramos da produção material, entre o tempo do artesanato e o da grande indústria. O que aconteceu, para Marx, é que os trabalhadores foram duplamente expropriados pelos capitalistas, isto é, deles foram subtraídas duas coisas: os meios de produção da vida material e o saber do qual dependia a fabricação de um produto e a própria posição social do artesão. Eles eram auto-suficientes e passaram a se tornar dependentes dos capitalistas. Primeiro, porque não tinham mais os meios materiais de vida, e foram obrigados a vender sua força de trabalho em troca de um salário. E depois porque não saberiam mais como produzir por conta própria se tivessem esses meios materiais, já que foram obrigados a reduzir sua capacidade de trabalho a tarefas simples e parciais. Este saber foi apropriado e controlado pelo capitalista, que o desenvolveu e racionalizou. Através da maquinaria industrial moderna e de posse desse saber, o capitalista reduziu o trabalhador à execução das tarefas simplificadas, parciais e repetitivas na linha de produção da fábrica. Assim, as forças produtivas foram enormemente desenvolvidas, mas através de um processo social de expropriação de bens materiais e de saberes.
Explicado assim, numa perspectiva histórica, pode até parecer convincente, mas a percepção dessa expropriação e o entendimento de suas conseqüências para cada um fica bloqueada pelo modo como o indivíduo adquire consciência do mundo social em que nasce e no qual cresce e morre. Ele só aprende que deve trabalhar para receber o salário e viver, pois esta é a percepção que ele tem da realidade na vida cotidiana. Existem as fábricas e seus donos. E ao trabalhador, que não é dono de coisa alguma, cabe trabalhar nelas. Ponto final. Por causa do salário pago, o trabalho, que é obra de cada ser humano, é compreendido como algo que não pertence a este ser humano. O trabalho, que sempre foi o meio pelo qual o homem relacionou-se com a natureza e com os outros homens, é individualmente percebido como algo sobre o qual o trabalhador não tem controle. O trabalhador foi separado, pelo capitalismo, do controle autônomo que exercia sobre seu trabalho e também do fruto deste trabalho. O trabalho é então percebido pelo trabalhador como algo fora de si, que pertence a outros. A isso, Marx dá o nome de alienação. Por causa do trabalho alienado a que estão submetidos, os homens adquirem uma consciência falsa do mundo em que vivem, vêem o trabalho alienado e a dominação de uma classe social sobre outra como fatos naturais e passam, portanto, a compartilhar uma concepção de mundo dentro da qual só têm acesso às aparências, sem ser capazes de compreender o processo histórico real. A isso Marx dá o nome de ideologia. A ideologia, portanto, é aquele sistema ordenado de idéias, de concepções, de normas e de regras (com base no qual as leis jurídicas são feitas) que obriga os homens a comportarem-se segundo a vontade "do sistema", mas – e isso é importante – como se estivessem se comportando segundo sua própria vontade. Esta coerção "do sistema" sobre os indivíduos, revela Marx, na verdade é a coerção da classe dominante sobre as classes dominadas. Por isso Marx afirma que a ideologia dominante numa dada época histórica é a ideologia da classe dominante nessa época.
Exploração econômica e opressão política do homem pelo homem sempre houve em todas as sociedades; só que no capitalismo há uma diferença. Em todas as outras formas de dominação histórica anteriores, o dominado sabia que era dominado e sabia quem era seu dominador. O escravo sabia que seu senhor o mantinha em cativeiro e o obrigava a trabalhar para si a força, o servo sabia que o dono do feudo lhe arrancava a maior parte do que ele plantava e colhia. No capitalismo, ao contrário, o trabalhador acha que é justo que ele seja separado do fruto de seu trabalho mediante o pagamento do salário. O máximo de injustiça contra a qual o trabalhador normalmente se revolta diz respeito aos salários baixos e às condições ruins de trabalho (jornadas longas demais, insalubridade etc). Marx diz, porém, que o salário não remunera todo o trabalho realizado, mas apenas uma parte dele. A outra parte é apropriada pelo capitalista e se transforma em lucro. Em resumo, a teoria de Marx e Engels afirma que qualquer salário é injusto porque a relação de assalariamento é injusta em si. É injusta porque separa o trabalhador do resultado de seu trabalho e isso o aliena e o descaracteriza como ser humano. E mais ainda: essa injustiça não pode ser percebida pelo trabalhador (com base em sua própria experiência na vida cotidiana) por causa da ideologia, que é uma concepção de mundo gerada pela classe dominante e assumida pela classe dominada como se fosse sua. A suprema ironia do capitalismo é que o dominado pensa com a cabeça do dominador, e essa é a forma de dominação mais visceral. No capitalismo, os trabalhadores dormem com o inimigo, confortavelmente instalado em sua própria mente, todos os dias sem saber. É quase como se houvesse em seu cérebro um chip perverso de computador, desses de filme de ficção científica, que o obrigasse a levantar no outro dia e levar sua vida da mesma forma que no dia anterior.
Mas Marx e Engels não faziam ficção científica. Eles, ao mesmo tempo, tinham fé na ciência e alimentavam uma utopia. Por obra da ciência, acreditaram haver descoberto as leis da história. Essas leis lhes diziam que chegaria um momento em que o desenvolvimento das forças produtivas proporcionado pelo capitalismo inevitavelmente entraria em contradição com as formas capitalistas de propriedade e que, quando esse momento chegasse, se abriria uma época de revolução social e política. E aí entra sua utopia: eles acreditavam que esta revolução – à qual se seguiria uma fase de transição em que os resquícios da sociedade capitalista seriam destruídos (a fase do socialismo) – esta revolução daria origem a uma nova sociedade, sem exploradores nem explorados, sem alienação e sem ideologia, sem classes sociais e sem Estado (porque o Estado para eles é uma manifestação das relações de classe, e deixaria de existir quando as classes não existissem mais). Nessa nova sociedade, a sociedade comunista, sem dúvida a mais bela utopia do século XIX, o homem se reencontraria consigo mesmo, seria um ser autônomo, auto-centrado e auto-consciente, trabalhador manual e intelectual ao mesmo tempo. Daria à sociedade, por sua própria vontade, todo o esforço e trabalho que pudesse e receberia dela tudo o que precisasse, graças ao desenvolvimento material propiciado pelo capitalismo. Os homens e as mulheres seriam, enfim, seres humanos inteiros, completos. E, é claro, seriam felizes para sempre.